Descendente de imigrantes italianos e alemães, Radamés Gnattali nasceu em Porto Alegre, RS em 27 de janeiro de 1906 e faleceu na cidade do Rio de Janeiro, RJ em 03 de fevereiro de 1988, aos 82 anos. Maestro, compositor, arranjador e multi-instrumentista[1], Radamés é reconhecido internacionalmente como um dos grandes mestres da música brasileira e latino-americana. Sua obra de concerto é volumosa, com mais de 300 peças, entre solos para piano, violão, música de câmara e sinfônica.

Na música popular Radamés ocupa uma posição absolutamente singular, em relação a seus contemporâneos, tanto pelo volume da sua produção, quanto pelo aspecto presencial, intenso e colaborativo de sua atuação junto aos músicos populares. Labutando lado a lado com pianeiros, sambistas e chorões, no lufa-lufa das estações de rádio e estúdios de gravação, o maestro sabia reconhecer, também, o quanto aprendia com eles.

“(…) Eu sempre trabalhei com música popular e gosto muito. Aliás, devo a isso eu fazer alguma coisa de brasileiro, hoje (…)”. “Minha música é toda brasileira, baseada em temas folclóricos, e urbanos do Rio de Janeiro”.

Explica-se, assim, porque Radamés dedicou tantas obras de fôlego a amigos instrumentistas e seus instrumentos pouco contemplados pelos compositores de sua época. Em seu catálogo de música erudita constam concertinos, concertos, sonatas e sonatinas, divertimentos e suítes para bandolim, acordeom, harmônica (a popular gaita), cavaquinho, bateria, guitarra elétrica, violão 7 cordas, pandeiro, entre outros. E é a partir dessas obras que músicos da grandeza de Jacob do Bandolim, Edu da Gaita, Joel Nascimento, Chiquinho do Acordeom, Aníbal Augusto Sardinha (Garoto) sobem ao palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, pela primeira vez,  como concertistas. 

Responsável por repassar à música popular elementos  sofisticados da música erudita, com base numa sólida formação de violinista, violista e pianista de concerto, Radamés torna-se, a partir da década de 1930, figura importante no incipiente universo radiofônico nacional. Com apoio de produtores e patrocinadores dos programas musicais da recém fundada Rádio Nacional, Radamés idealiza e consolida um tipo de “orquestra brasileira”  formada, ao mesmo tempo, por instrumentos da orquestra sinfônica (flauta, oboé, fagote, trompa, harpa, tímpanos, cordas a arco), das bandas de música e jazz-bands (flautim, clarinete, saxofone, trompete, trombone, tuba, bateria) e  instrumentos típicos dos grupos regionais de música popular, como acordeom, bandolim, cavaquinho, violão, viola caipira, e percussão popular. Enfim, uma orquestra rica em timbres, capaz de executar qualquer gênero de música brasileira e estrangeira, capaz de atender as preferências musicais de um público crescente, cada vez mais exigente e diversificado.

À frente dessa massa sonora Radamés funda o que podemos chamar de a moderna orquestração para a música popular brasileira, legando-nos, ao longo de 60 anos de carreira, um manancial inesgotável de partituras de arranjos, para milhares de títulos, dos mais variados autores e gêneros musicais. 

O percussionista sinfônico e baterista Luciano Perrone, célebre por ter sistematizado a batucada do samba na bateria, na década de 1920, integrante por 30 anos do Quinteto Radamés Gnattali, durante uma entrevista fez um comentário interessante sobre esse traço tão marcante da personalidade musical  de Radamés, cuja música parece elevar-se acima da fronteira entre o erudito e o popular.

“Radamés é impermeável porque quando ele faz música popular é música popular e quando faz música de concerto é música de concerto. Uma não atrapalha a outra. Como arranjador e regente, ele faz uma orquestra sinfônica tocar um samba sem tirar-lhe o espírito, nada fica cheirando a sinfonia”.

De fato, Radamés soube, como poucos, dividir tempo e inspiração entre os gêneros erudito e popular, de maneira equilibrada, sem que um atrapalhasse o outro, estabelecendo uma comunicação natural e rara entre estéticas consideradas inconciliáveis, até a sua chegada.

Nota
[1] Radamés formou-se em piano em 1924. Paralelamente ao estudo de piano, estudou 8 anos de violino com sua prima, Olga Fossati, logo passando à viola para integrar a Orquestra Sinfônica da Sociedade Musical Porto-Alegrense (fundada pelo seu pai) e o Quarteto Henrique Oswald, em Porto Alegre. Ainda na juventude, participou de grupos de choro e blocos de carnaval tocando cavaquinho e violão, instrumentos a que Radamés dedicou diversas obras de música popular e de concerto. Flautista autodidata, gostava de tocar em duo com seu amigo dileto, o violonista Aníbal Augusto Sardinha, o Garoto. “Eu era o pior flautista, acompanhado pelo melhor violonista”, gostava de dizer.